O Leonardo postou no Facebook alguns números sobre custos na propriedade e teve milhares de compartilhamentos. Vamos detalhar esta história aqui no Blog do Farmfor.
Com um post simples no Facebook, Leonardo atraiu a atenção de muita gente na rede social ao mostrar alguns números de sua propriedade ao longo dos anos. Evidenciou a dificuldade para manter a lavoura produtiva e ainda ironizou com bom humor no final escrevendo “Mas tudo bem, não tem inflação… Agricultor ganha dinheiro… E tá tudo bem no país…”.
Convidamos o agricultor para mandar mais informações para o Blog do Farmfor e o mesmo atendeu prontamente. Conheça um pouco da história do Leonardo e sua família, agricultores na cidade de Coqueiros do Sul, no Rio Grande do Sul. Nos próximos parágrafos, o depoimento do Leonardo em primeira pessoa.
Com a palavra, Leonardo!
Meu nome é Leonardo David Müller e sou a quarta geração a administrar uma propriedade rural em Coqueiros do Sul. O início se deu por volta de 1938, quando meu bisavô adquiriu as terras e lá montou uma serraria. Meus avós se casaram e lá foram morar, sendo as propriedades ao redor também da família, onde moravam os irmãos de minha avó. Cada um tinha um papel na serraria, meu avô era o administrador e também encarregado de puxar as toras do mato nos dias de chuva. Com a vinda da II Guerra Mundial, além do desaquecimento das vendas, a serraria, por ser propriedade de alemães, foi obrigada a fechar.
Então, as matas que haviam sido derrubadas deram lugar a pequenas lavouras, já que os empregados não tinham trabalho, foi cedido para cada qual um pedaço de terra para poder plantar e ter o que comer. Após a guerra a serraria reabriu, mas as lavouras continuaram. No final dos anos 60, meu avô com problemas de coluna e após o fechamento da serraria, mudou-se para Carazinho e para continuar a lavoura estabeleceu o regime de parceria agrícola, onde meu o mesmo entrava com as terras e outra pessoa com o serviço. Despesas e resultados eram divididos então em 50% para cada um.
No final dos anos 80, a saúde de meu avô foi piorando e minha mãe foi se inteirando dos assuntos e auxiliando na administração. Em 1991, com a morte de meu avô, minha mãe assumiu o papel, eu, um piazinho na época apenas observava. Em 1994 faleceu meu pai, que embora não se envolvesse na lavoura, tinha seu papel de “conselheiro”. Em 1996 o regime de parceria foi desfeito e acabou num acordo onde acabamos ficando sem nenhuma máquina para continuar o trabalho. Para que a lavoura não parasse, optou-se na época por arrendar a terra a terceiros. Terminei o ensino médio e iniciei a faculdade em Porto Alegre, aguentei a cidade 2 anos e meio e em 2000 acabei retornando para Carazinho para trabalhar (coisa que lá não conseguia devido aos horários de estudo) e continuar a faculdade por aqui.
Final de 2001, decidimos por retomar as atividades de lavoura, na época foi vendida uma casa que possuíamos e o dinheiro empregado para dar início na lavoura, o que me permitiu a compra antecipada de insumos e consequente redução no custo inicial (situação única até o momento). Porém, sem máquinas, a alternativa foi partir para o aluguel com os vizinhos, pagando hora de trator e percentual na colheita. Em 2004 comecei a comprar máquinas novamente, todas usadas, algumas novas que estou até hoje pagando.
De 2002, onde foi realizado o primeiro plantio até hoje, tive muitos anos ruins na agricultura, que na verdade me ajudaram. Ajudaram a não dar um passo maior que a perna, a não esperar sempre colheita cheia, enfim, a lidar com os altos e baixos da lavoura e que, por fim, moldaram a forma que tenho de administrar tudo, ponderada, sem excessos e sempre com um pé atrás e um olho pra frente.
Trago algumas tabelas, com valores de custos e resultados de produtividade. Nelas, cabe salientar e percebem-se alguns detalhes importantes: em primeiro, este custo e resultado é meu e provavelmente muito diferente de outros agricultores, cada caso é um caso em agricultura, há peculiaridades de cada região e em segundo, torna-se evidente a alta contínua dos custos e pela minha experiência/opinião, decorrentes da falta de concorrência o que acaba tornando certos setores “oportunistas”.
Cada alta do dólar traz um aumento da soja e dos insumos, com uma diferença: na queda do dólar o valor da soja acompanha e dos insumos acaba não descendo tudo de volta. O que pode ser notado no adubo, em 2002 a relação de troca (meu caso foi compra de quase um ano antecipada e, portanto destoante dos demais, com uma relação de 6 sacos de soja para 1 tonelada de adubo) de em torno de 10 sacos de soja por tonelada de adubo, para no dia de hoje, em torno de 25 sacos de soja para 1 tonelada de adubo; 2002 foi um ano atípico, onde no início do ano a tonelada custava em torno de 180 reais e em virtude da eleição e disparada do dólar, perto do plantio o valor passava longe dos 300 reais. O adubo representava de 25 a 30% do custo na época e hoje representa 50%. Minhas compras são hoje em sua maior parte, realizadas no sistema de troca, onde faço um levantamento da necessidade de insumos e fico devendo em soja para pagamento na safra. Alguma coisa ainda é feita via custeio bancário, mas 90% é nesse sistema.
Optei por ele por me trazer uma segurança no que devo. No ano de 2004 tivemos uma das piores secas da história e a lavoura foi formada com soja perto dos 40 reais o saco e na colheita, além da quebra enorme, o preço caiu para os 20 e poucos reais, ou seja, se eu precisava de 20 sacos para pagar as contas quando plantei, terminei a safra precisando de 40 sacos para pagar as contas. Esse foi o ano que parti para o sistema de trocas, o que me trouxe segurança e crescimento.
Hoje a situação de custos da lavoura é completamente diferente da de 2002. Em 2002 usava-se, esporadicamente, fungicida para doenças de final de ciclo e só, inseticida caso aparecesse alguma lagarta. Hoje em dia são 3 a 5 aplicações de fungicida em virtude da ferrugem. Inseticida é obrigatório em função de lagartas e outras pragas (eu optei pelo uso da tecnologia intacta, que me permite a redução de inseticida para lagartas, mas aumento do custo da semente). A mão de obra representa hoje, um elevado custo. Para a redução desses custos, acabei optando por assumir a maioria das operações de campo. Todas essas questões mais que duplicaram os custos fixos da lavoura, sim, a produção aumentou também, mas esta aumenta em torno de 1 a 5% ao ano, os custos perto dos 10%. Resultado visível nos gráficos.
Enfim, a profissão de agricultor hoje, envolve a parte agronômica, administrativa e financeira com ajuste muito fino entre elas. Foi-se o tempo em que se aplicava o que queria e na hora que queria na lavoura. Hoje isso passa por um estudo: é viável? Trará resultado que compense o gasto? Após isso é decidido, ao menos da minha forma de administrar. Cansei de conversa de vendedor, foco no resultado, de nada me adianta gastar 100 reais para retornar 100 ou menos. Isso, do meu ponto de vista, é despesa inútil e com o clima sempre pondo tudo em risco, pode nem retornar. Portanto, sigo por aqui, esperando que a situação do país melhore e possa trazer não só para meu ramo, mas para todos uma esperança de dias melhores.